17.7.08

Depois de Saramago, Meirelles mergulha em Shakespeare


O cineasta Fernando Meirelles, 52 anos, foi fisgado pelo universo de William Shakespeare, por onde deve orbitar pelo próximo ano, cuidando de um projeto para a TV e um longa-metragem, após um período intenso debruçado sobre um livro de José Saramago.

A minissérie Som e Fúria, sobre uma companhia de teatro shakespeariana em crise, começou a ser rodada nesta semana em São Paulo. E o livro de Jorge Furtado Trabalhos de Amor Perdidos, uma adaptação livre da obra de mesmo nome do poeta inglês, deve ser rodado na seqüência, em 2009.

"Shakespeare é droga pesada. Quanto mais você lê mais você quer ler. Cada linha tem poesia, filosofia, uma profunda compreensão do que nós somos", disse o diretor à Reuters.

Parte das filmagens de Som e Fúria, que estréia no primeiro semestre de 2009 na Globo, será no Teatro Municipal, com um elenco repleto de nomes famosos da TV e do teatro, como as comediantes Andréa Beltrão e Regina Casé e os atores Gero Camillo, Cacá Rosset, Felipe Camargo e Dan Stulbach.

A minissérie é uma adaptação de um programa canadense e mostrará um grupo montando Hamlet, Sonhos de uma Noite de Verão, Romeu e Julieta e Macbeth.

"É uma comédia romântica que se passa nos bastidores. É mais sobre atores do que sobre as peças mesmo, mas há belos trechos destas lindas obras", disse por e-mail Meirelles, responsável pela adaptação e direção-geral.

O diretor paulistano afirmou que o pontapé inicial para embarcar no mundo de Shakespeare veio ao ler o romance de Furtado, diretor de Saneamento Básico e roteirista de Lisbela e o Prisioneiro.

Furtado está escrevendo o roteiro. A história se passa em Nova York e Londres e segue um brasileiro que ganha uma bolsa para estudar Shakespeare com outros estudantes do mundo todo.

"Quero de fato fazer um pouco de comédia para contrabalançar os temas que andei abordando", disse o diretor indicado ao Oscar por Cidade de Deus (2002).

Meirelles também dirigiu O Jardineiro Fiel (2005), um drama ambientado no Quênia que valeu Oscar à atriz Rachel Weisz, e o inédito Ensaio sobre a Cegueira, baseado no livro homônimo de Saramago e que abriu o Festival de Cannes de 2008. "Mas não acho que se possa comparar (esses projetos sobre) Shakespeare a Domésticas ou ao Maluquinho. O que estou fazendo é leve, mas de outra maneira, para uma outra direção", explicou, citando seus primeiros trabalhos como diretor.

Saramago
Antes de Shakespeare, Meirelles passou mais de um ano com a obra do escritor português, que se emocionou recentemente ao ver o filme ao lado de Meirelles, uma cena registrada no YouTube, "quase acidentalmente pelo meu filho Quico", disse.

"A projeção do filme estava péssima, muito abaixo do aceitável e esperava que os poucos presentes ficassem muito decepcionados, inclusive o autor da história", disse.

"Mas, para minha surpresa, ele ficou comovido e disse que se sentia tão feliz por ver o filme como quando acabou de escrever o livro. Foi o melhor presente que poderia receber."

Mesmo com o aval do prêmio Nobel, o diretor mexeu mais uma vez no filme, que acabou tendo 12 versões. Os nove meses de montagem, as angústias e as idéias que fizeram o longa-metragem foram narradas em blog pelo próprio diretor.

"Num próximo filme, se tiver tempo e cabeça, acho que repito a dose", prometeu.

Ensaio, uma co-produção Brasil, Canadá e Japão, contou com atores de vários países ¿ como a norte-americana Julianne Moore, a brasileira Alice Braga e o mexicano Gael García Bernal. Meirelles disse que, apesar de se falar cinco línguas no set, "nunca tive um elenco e uma equipe que se entenderam tão bem". "Foi quase mágico."

No filme, Moore faz a única pessoa que não é afetada pela epidemia de cegueira que devasta a cidade. Além da doença física, o longa também trata da cegueira psicológica.

Ao ser questionado se o Brasil era afetado pela doença, frente aos escândalos políticos sem solução, o diretor disse acreditar que cegos mesmo são os Estados Unidos.

"A grande potência mundial hoje me parece bastante cega. Elegem duas vezes um camarada visivelmente inadequado, não conseguem ver nada além do seu próprio território ...", afirmou.

"Sinto que no Brasil temos mais vontade de realmente nos olharmos. Mas isso tudo são generalizações, sempre perigosas de serem feitas, então é melhor eu parar por aqui."

Fonte: Reuters

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